BENEDETTA

Opinião
Paul Verhoeven não inventou a história que vemos em BENEDETTA. A trajetória da freira italiana que viveu no século 17 e foi julgada por ter relações sexuais com uma noviça está relatada em detalhes no livro Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy, da historiadora inglesa Judith C. Brown. Portanto, segundo o diretor mesmo disse na entrevista coletiva do Festival de Cannes, quando o filme fez sua estreia mundial, “não dá pra dizer que algo que realmente aconteceu é uma blasfêmia”.
O livro não é um romance, porque é um relato do que aconteceu no julgamento de Benedetta, na pele da francesa Virginie Efira. Conta como ela, que viveu desde os 7 anos num convento em Pescia, na Itália, cresce entre as freiras e, já adulta, passa a ter visões e sonhos perturbadores. Para ajudá-la, a madre superior ordena que uma noviça passe a acompanhar Benedetta e divida com ela seus aposentos. A eleita é a recém-chegada Bartolomea – jovem ousada e sem qualquer aparente interesse na religião. Juntas elas vão transgredir as leis do convento, descobrir o sexo, o prazer e perturbar a ordem das coisas e dos comportamentos tanto políticos, quanto religiosos.
Sim, porque no filme tudo é político. A religião é política, é poder, é status. Julgar alguém e queimá-lo na fogueira diante dos gritos e aplausos da população é um ato político. Até a nudez é política. O sexo, nem se fala. Passa pelo desejo das duas mulheres, mas trespassa a hipocrisia do bispo, a curiosidade da madre superiora, a admiração de outras mulheres.
Além de ser lindamente filmado, com toda a reconstituição de época, BENEDETTA é mais interessante porque provoca a reflexão atual de sobre o quanto a sexualidade esbarra nos conceitos, tradições, posicionamentos políticos. Paul Verhoeven dirige também de Elle e Instinto Selvagem, em que a sexualidade é igualmente protagonista. Traz à tona o assunto de o quanto ela é tabu, a ponto de ser uma questão quando se pensa no filme – enquanto que, a pergunta realmente que deveria ser posta seria: por que a orientação sexual de alguém é motivo de queimá-la na fogueira?
No nosso século 21, a fogueira é outra. Mas ainda tem gente que se importa demais com a vida do outro e esquece de viver a sua.
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