ROMA

Cartaz do filme ROMA

Opinião

Por Suzana Vidigal, de Veneza

Roma é um filme sobre memória. Alfonso Cuarón escreve e dirige – e coloca ali a sua alma. Belo, delicado e forte. Não é autobiográfico, mas marca o retorno do diretor mexicano ao seu país, fazendo cinema na sua língua – seu filme anterior, Gravidade, tem outra pegada, é do mainstream. Roma, falado em espanhol, filmado em preto e branco, imprime uma marca autoral profunda e marcante.

Este é um filme em que as mulheres estão no comando. “É essa a lembrança que tenho da minha infância. Eram as mulheres que davam o tom”, lembra Cuarón na coletiva de imprensa em Veneza, contando que o processo de resgate da memória daquela época fez ele se aproximar do que é hoje. “Nesse resgate, descobri Cleo como mulher, assim como passei a ver minha mãe também como mulher.” Cleo é a empregada da casa, babá das quatro crianças da família. O casamento está em crise, o pai fica fora de casa durante um longo período e a vida se desestrutura. Cleo e sua irmã Adela mantêm a casa funcionando e as crianças na escola, enquanto a senhora Sofía perde o chão e sua mãe, Teresa, ajuda como pode. “Cleo e Adela não são representadas por atrizes, são educadoras que acreditaram no projeto”, conta o diretor. Tem algo de muito genuíno nessa escolha, de muito verdadeiro. Como se elas colocassem sua própria experiência nos personagens.

As atrizes novatas vieram à Veneza para o lançamento do filme e confirmam que foi assim mesmo. Isso ajudou Cuarón a manter o tripé do filme firme: a integridade da personagem de Cleo, que cumpre seu papel, sabe seu lugar como empregada da casa e vive seu drama pessoal; a filmagem em preto e branco, como quem vê o passado com os olhos de hoje, sem nostalgia, com a tecnologia digital; e a memória como ferramenta, na reconstrução dos momentos e lugares daqueles anos 1970.

Junto com a história da família, vai a história social do país. “Eu queria falar da memória com objetividade, sem tirar conclusões, mantendo distância”, analisa Cuarón. “A cena da água lavando o chão é bem isso – respeito à noção do tempo para que as coisas ocorram. A memória só aparece quando deixamos que ela flua.” Roma flui e me levou junto. Além de roteirista e diretor, Cuarón é diretor de fotografia. É ele quem dá esse tom precioso da palheta cinza. Ele é o filme. E Roma tem alma. Inclusive quando deixa claro o sentimento de gratidão por todo afeto da infância.

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