ROMERÍA

Cartaz do filme ROMERÍA

Opinião

Romaria é o que Marina, a personagem, faz pra desvendar o passado dos pais e conhecer sua origem. “Tem um sentido místico de fazer uma viagem para entender as raízes e me conectar com a história dos meus pais”, diz Carla Simón na coletiva de imprensa no Festival de Cannes, apresentando ROMERÍA na competição pela Palma de Ouro. Criada pelos tios maternos, Marina perdeu os pais nos anos 1990 para a epidemia de AIDS e, aos 18 anos precisa de documentos para entrar na faculdade. O contato com a família paterna acontece em VIGO, onde seus pais viveram sua história de amor enquanto jovens e onde a família tem uma casa de veraneio.

Este é o enredo do 3º filme de Carla Simón, que fecha a trilogia sobre sua história familiar. O primeiro, Verão 1993, conta a sua chegada na casa dos tios naquele verão após ficar órfã; Alcarrás, vencedor do Urso de Ouro em Berlim, é sobre o momento em que a agricultura familiar já não se sustenta e seus tios têm que derrubar os pessegueiros e arrendar a fazenda. Ambos filmados no interior da Cataluña, resgatando a sua relação com o campo.

Em ROMERÍA, Carla vai para o mar. Acaba sendo uma metáfora da liberdade, deste movimento que a vida pede no momento em que está jovem e já faz suas escolhas. “Há elementos de ficção mesclados com realidade”, conta. “Eu tinha as cartas escritas por minha mãe às amigas e elas me guiaram para criar as imagens do filme.” Marina interpreta tanto a garota quanto a mãe, mostrando a fragmentação da memória, que é sempre nebulosa e seletiva.

Profundo e sensível, como seus dois primeiros filmes. Além de ser um processo de busca pessoal, é um recorte relevante de um momento na história espanhola de que pouco se fala. “A geração dos meus pais foi a geração perdida na Espanha, que morreu aos montes”, diz ela. Com a morte do ditador Franco em 1975, as pessoas se sentiram livres para se expressar, vide o movimento La Movida, com Almodóvar em Madri. “A AIDS veio junto com a epidemia de heroína, que justamente entrava no país pelo litoral da Galícia, onde fica Vigo. A Espanha foi o país europeu que mais perdeu jovens nesta década e precisamos quebrar este tabu e curar esta ferida.”

Com uma linguagem cinematográfica livre e cheia de ilusões, Carla explora a noção de é preciso recriar imagens inacessíveis do passado para poder preencher vazios da memória. E o faz lindamente, sem vitimização, mas com ternura e firmeza, assim como Marina.

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