UN SIMPLE ACCIDENT

Opinião
“O que vocês veem na tela não é minha vivência pessoal, mas são 40 anos de experiência de prisão do povo iraniano”, disse o diretor Jafar Panahi na coletiva de imprensa no Festival de Cannes. “Há meio século o regime emprisiona seus cidadãos e quando saí da prisão percebi que já tinha uma história.”
Panahi (também de Sem Ursos) emocionou com seu filme UN SIMPLE ACCIDENT, não só pela temática da denúncia, mas também pelo seu histórico como realizador iraniano. Favorito à Palma de Ouro, Panahi ficou 15 anos proibido de fazer cinema, condenado e preso, passando por situações ultrajantes de interrogatórios e greve de fome. Mesmo assim — ou por causa disso — fazer cinema é o que o move. “Quando um artista é preso, o regime nos dá ideais e uma nova possibilidade de olhar para o realidade. Foi a República Islâmica que fez este filme. Com as novas tecnologias, ninguém consegue impedir um artista de se expressar.”
Até pode, mas Panahi, assim como outros diretores que resistem e fazem cinema mesmo que na clandestinidade, usa recursos para correr menos risco, como filmar dentro de veículos, por exemplo. Mas UN SIMPLE ACCIDENT deixou ele e a equipe em situação de alerta. “Depois que o festival terminar, volto para o Irã e não sei o que vai acontecer”, completa. Isso porque seu filme conta uma história simples, mas de extrema sensibilidade e força de denúncia. Tudo gira em torno do acaso que reúne um grupo de pessoas quando um homem reconhece o algoz que os torturou na prisão. Acompanhamos a andança dessa trupe inusitada que precisa confirmar ser ele mesmo o criminoso para fazer, então, justiça com as próprias mãos. Os códigos estão todos colocados no filme com uma força ímpar e Panahi conta que são histórias e experiências reais, confirmadas por seus companheiros presos.
Há mulheres neste grupo e Panahi faz questão de mostrar que algo mudou no Irã depois do movimento Mulher! Vida! Liberdade! Personagens circulando sem hijab são prova de que o cinema tem o papel de comunicar as mudanças e solidificá-las como transformação de comportamento. O que precisa é de um diretor que banque. Jafar Panahi é o cara.
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