XINGU

Cartaz do filme XINGU

Opinião

Em 1943, cansados da vida tradicional e previsível da elite paulistana e cercados por burocracia no centro de São Paulo, os irmãos Villas Bôas se passam por caboclos analfabetos – requisito básico para integrar a Expedição Roncador-Xingu do governo federal – e seguem para desbravar o oeste ainda selvagem do Brasil. De aventureiros a indianistas, de curiosos a corajosos ambientalistas, Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas conseguiram o inimaginável: fechar o cerco, proteger os índios com a criação do Parque Nacional do Xingu em 1961, no extremo nordeste do Mato Grosso, para preservar e proteger a cultura, a tradição, a fauna e a flora brasileiras para as gerações futuras. O que é considerada a fronteira do parque, também chamada de “o abraço da morte”. Preservar significou, neste caso, isolar. Irônico, esse modelo. Mas foi uma medida de pura sobrevivência.

Xingu, o novo filme de Cao Hamburguer (também em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias) conta, de forma grandiosa, cuidadosa e emocionante essa história quase inacreditável de dedicação e luta pelo ideal. Tive a impressão, fascinada, de um Xingu-filme enraizado, feito com consciência, responsabilidade e extrema beleza, claro. “O projeto demorou cinco anos para ser finalizado, devido às dificuldades de pesquisa, informação, ambientação na natureza local implacável”, relata o diretor na entrevista coletiva, que contou com a produção sempre humanista de Fernando Meirelles.

Mas para ter esse viés humano forte e incontestável, é preciso soar verdadeiro. A composição e preparação do elenco são fundamentais, que além de atores famosos e experientes como Caio Blat (também em As Melhores Coisas do Mundo, Bróder, Batismo de Sangue, Carandiru, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias) , João Miguel e Felipe Camargo (os três irmãos), conta com a participação dos índios das tribos locais. “Quando filmamos com amadores, o desafio para o profissional é bem maior”, confessa Felipe Camargo, o Orlando. “A história e a tradição do índio se perpetuam através da encenação, da dança, da música. Pensando bem, eles já sabem representar naturalmente, eles é que estão sempre prontos para entrar em cena”. E é verdade, da parte deles, texto é o que tem de menos. Até nisso houve equilíbrio de saberes. O filme tem uma sintonia impressionante entre os atores e o profissional, entre a produção e o meio ambiente. O profissional é que tem que se descontruir, entrar no ambiente estrangeiro. De fato, o que Cao faz é nos colocar dentro das tribos, obrigando-nos a trabalhar um olhar humilde, reverencial e respeitoso, o mesmo que os irmãos tiveram ao entrar onde não foram chamados, ao integrar-se sem interferir, ao conviver.

“Quando o Brasil em geral fica difícil de aturar, eu fecho os olhos um instante e me refugio no pedaço do Brasil onde corre o Tuatuari, […] um humilde formador do poderoso Xingu onde os irmãos Villas Bôas estabeleceram a sede do Parque Indígena do Xingu, onde nossos índios passaram a receber o único tratamento VIP que jamais tiveram ou terão”, desabafa o jornalista Antonio Callado, na apresentação do livro A Marcha para o Oeste – A Epopeia da Expedição Roncador-Xingu, de Orlando e Cláudio Villas Bôas (Cia das Letras), uma das referências do filme. Além de difícil de aturar, o Brasil das madeireiras, das estradas, das usinas hidrelétricas, das pastagens, da criação de gado está difícil de brecar. Agora, mais do que nunca, é preciso abrir bem os olhos e interpretar Xingu além de suas fronteiras.

 

Trailers

Comentários