A SEPARAÇÃO – A Separation

Cartaz do filme A SEPARAÇÃO – A Separation

Opinião

A primeira cena aparentemente expõe o drama do filme: um casal discute seu divórcio diante do juiz. Simin (Leila Hatami) consegue às duras penas um visto para sair do país e quer que o marido Nader (Peyman Moadi) dê permissão para que a filha única do casal, Termeh (Sarina Farhadi), viaje com ela. Além de Nader se negar a acompanhá-la por causa do pai doente, não dá autorização para que a filha viaje. Aparentemente, a questão da separação está colocada para o espectador, sendo que de cara são expostas situações delicadíssimas da cultura islâmica machista, controladora, autoritária e um tanto quanto irracional.

Mas é só aparentemente, como eu disse. Assim como em seu ótimo filme anterior Procurando Elly, o diretor Asghar Farhadi escreve um roteiro primoroso – A Separação já levou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, além de prêmios para os atores, e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. O que parece ser um drama unicamente familiar, de um casamento já falido como tantos outros que precisam lidar com as questões que vêm com a separação, ganha corpo a cada momento em que o diretor apresenta um fato novo. Ele amplia a questão do relacionamento do casal de classe média (ela é médica, ele bancário) e até da questão islâmica em si, para algo muito maior, mais universal e comum a qualquer sociedade. E o faz de forma inteligente, deixando sempre uma ponta de suspense, de surpresa, de revelações que vão mudar o curso da história.

Tudo acontece quando Asghar Farhadi introduz um elemento novo na trama. Simin vai morar na casa da mãe, a filha fica com o marido, que tem que contratar uma pessoa para cuidar do seu pai enquanto ele trabalha. Entra em cena Razieh (Sareh Bayat), uma moça casada, religiosa, grávida, que precisa ajudar o marido desempregado. A presença de Razieh é que amplia a discussão. Pela religião, não poderia fazer esse trabalho (ficar sozinha com outro homem que não seu marido). Por isso mente, inventa, enrola-se na própria história, de modo que eu já não sabia quem falava a verdade. É aqui que entra esse viés mais amplo da relatividade da verdade e da mentira, dependendo do ponto de vista de quem conta e vive a história. Interessantíssimo o mosaico de revelações que o diretor traça, sempre mantendo a separação como pano de fundo, a presença da filha entre a briga dos pais e a questão jurídica, mas revelando principalmente profundas discussões sobre ética, honra, livre arbítrio.

Se tivesse parado na questão pura e simples da separação de um casal esclarecido e bem formado na sociedade iraniana de hoje, cerceada e censurada pelo autoritário Mahmoud Ahmadinejad, já seria um filme e tanto. Já formaria com outros iranianos o perfil dessa sociedade sufocada, como mostrado em Isto Não é um Filme, de Jafar Panahi. Mas Farhadi extrapola as diferenças culturais, sociais e econômicas e expõe a alma humana na sua fragilidade mais íntima, como faz em Procurando Elly. Mas aqui é mais intenso – e até mais perturbador.

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