MUITO ALÉM DO PESO – Entrevista Estela Renner

Cartaz do filme MUITO ALÉM DO PESO – Entrevista Estela Renner
País:
Gênero:
Estado de espírito:

Opinião

“Podemos comprar, mas que tal comprar o que nosso desejo legítimo pede? Ou que tal comprar mais cultura, por exemplo?”, Estela Renner, diretora de Muito Além do Peso (veja matéria sobre o filme). 

 

Questionando mais uma vez o consumo, como feito anteriormente no documentário Criança, A Alma do Negócio, Estela Renner transporta a problemática para o consumo descontrolado de comidas que não alimentam, só engordam. Além do poder sedutor que o marketing do fast food exerce sobre as crianças, causa obesidade infantil, que por sua vez é o gatilho para o diabetes, pressão alta, problemas cardíacos em um terço das crianças brasileiras. A jovem diretora deu a seguinte entrevista ao Cine Garimpo, contando inclusive sobre seus projetos futuros da sua produtora, Maria Farinha Filmes.

 Muito Além do Peso já está em cartaz em São Paulo e em mais 10 cidades do Brasil.

 

Suzana Vidigal | Cine Garimpo: Depois de assistir ao filme e pensar mais a fundo sobre o assunto, fiquei com a sensação de que obesidade é mais uma das consequências da atual inversão de valores. Claro que há desinformação, mas senti, como mãe, a responsabilidade primordial dessa educação alimentar. Alimentar-se mal não é mais um nefasto reflexo do medo que os pais têm de frustrar os filhos? Estamos construindo uma geração que não vai aguentar os trancos que vêm com a vida, pelo simples fato de não terem ouvido ‘não’ suficientes?

Estela Renner: Acho que os pais caíram em uma cilada. Ao mesmo tempo que não têm informação sobre alimentação e os rótulos são deveras enganosos, muitos estão vivendo com a ideia de que a integração social se dá através do consumo. Muito consumo! Se ele tem poder de compra ele se sente mais cidadão. O que antes era a sabedoria, o conhecimento, a habilidade de contar uma história, hoje em dia isso se mede em poder de consumo. E claro que esses valores são transferidos para os filhos, não só através do comportamento do pai, mas pela mídia em si. Hoje em dia, existe a ideia de que se você não “tem”, você não “é”. Somos um ser e não um ter, mas os valores andam invertidos.

Mas de onde vem esta inversão de valores gigante? Ao meu ver, da sociedade de consumo e de um sistema que se apoia na compra. Acho que podemos comprar, mas que tal comprar o que nosso desejo legítimo pede ou que tal comprar mais cultura por exemplo? O problema é que não conseguimos mais identificar qual é o nosso desejo legítimo, porque antes de qualquer contato consigo mesmo existe uma comunicação gigante te dizendo o que você deve desejar. Tivemos a era da madeira, depois a do ferro e agora estamos na era do plástico. O planeta não vai aguentar se nosso modo de vida continuar sendo baseado no estímulo desenfreado ao consumismo. Temos hoje em dia, segundo os especialistas, adultos infantilizados e crianças mini-adultas, que tem celulares, salto alto e não saem de casa sem maquiagem. Se não ouvem ‘não’ na infância, o que vai ser delas quando adultas? Um pai que talvez não seja capaz de lidar com suas frustrações… Eu tenho 3 filhos e tenho medo zero de dizer não.

 

CG: Percebi, pelo tom do documentário, que o contato com as crianças foi feito com muito cuidado e respeito. Senti, inclusive, que houve uma proximidade grande entre você e as crianças – afinal, algumas declarações não seriam feitas se o contato fosse frio e puramente jornalístico. Você acompanha a trajetória de algumas das crianças que participaram do projeto? Houve mudanças na família? Pedido de ajuda e aconselhamento?

Estela Renner: Eu tenho um gigante respeito pela criança e pela família que me recebe. Minha relação é de olhar nos olhos da criança, levá-la a sério. A criança sente rapidamente que eu e minha equipe estamos do lado dela. No caso da obesidade, eu não estou preocupada em saber quanto ela pesa. Estou preocupada em saber o que ela sente, do que ela gosta, conhecer seus interesses. Apesar da epidemia ser geral, para mim a Carol é a Carol e só existe uma criança como ela no mundo. Você viu o quadro que ela pintou? Que linda! Tivemos um caso mais grave, o do Yan, que acompanhamos de longe, pois ele mora no interior da Amazônia. Conseguimos um tratamento para ele. Estávamos preocupados.

 

CG: E os projetos futuros? Seguem nessa linha educativa, com a preocupação com a infância? Imagino que o documentário tenha mexido bastante com cada um dos membros da equipe.

Estela Renner: De verdade que mexeu. Minha equipe inteira saiu diferente dessa história. Porque além da alimentação em si, existe um ensinamento de como o sistema opera. E isso gera uma revolta. Uma percepção que fica orgânica e simplesmente a gente muda de comportamento. A minha produtora, Maria Farinha Filmes, está com mais dois documentários em produção: um sobre o brincar no Brasil, com uma diretora incrível, a Renata Meirelles, e outro com Julio Matos, sobre o papel das ONGs no mundo.

 

 

 

 

Comentários