NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI

Cartaz do filme NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI

Opinião

“Depois da guerra entre os clãs, vêm as mortes. Por que tantas mortes? Não é o morto no chão que deve alarmar as pessoas, porque antes das mortes, do sangue, há mortes que não vemos. As consciências das pessoas jovens foram mortas, a negação dos sonhos dos jovens é mais grave do que o morto.” – depoimento de uma assistente social

Imaginei, logo de cara, que fosse ver algo parecido com stress, intensidade e violência de Gomorra, de Matteo Garrone. Baseado no livro de Roberto Saviano, Gomorra denuncia a máfia napolitana com seus desmembramentos mundiais de uma maneira muito realista e impressionante. Preparei o espírito e o estômago, porque o filme de Garrone não é fácil – embora seja muito bom. Mas Napoli, Napoli, Napoli é diferente, porque mistura documentário e ficção e isso quebra bastante o ritmo das cenas tensas e violentas. Não que seja um filme leve, longe disso, mas achei uma boa estratégia.

O viés documentário mostra os depoimentos de detentas de uma prisão feminina de Nápoles. Naturalmente relacionamos máfia com paternalismo e entrevistar mulheres envolvidas com o tráfego e outros crimes é uma mostra de que a contaminação está por tudo. Mulheres mães, irmãs, filhas, que entraram no submundo da droga e que dão seu parecer de uma cidade perdida, sem assistência, sem poder público. De uma cidade nas mãos do poder paralelo. Transferi o que ouvi para o Rio de Janeiro sitiado desde a semana passada, numa tentativa de recuperar a cidade e tirá-la do poder das milícias e traficantes.

Intercalando os depoimentos, entram duas histórias sobre morte e prostituição. Não há qualquer separação entre o que é real e o que é ficcional. Gostei desse modelo mesclado – uma maneira de mostrar que está realmente tudo interligado. Que o tráfego de drogas está diretamente vinculado à lei da demanda e da procura, visto por quem está envolvido com os dois lados. Ótima pedida para refletir sobre nossas grandes cidades, sobre as formas de poder anti-estado, como a Camorra italiana, o PCC brasileiro e assim por diante, que já são organizações com relações institucionais e de negócios. Transcende a droga em si. Adequado para os tempos atuais. E até por isso, bastante indigesto.

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